PRIMEIRA REPETIÇÃO MINEIRA DA VIA PLACE OF HAPPINESS NA PEDRA RISCADA

Essa semana na Rokaz tem quatro escaladores tão alegres que eles estão rindo a toa o tempo inteiro, qualquer coisa que acontece agora não importa, eles acabaram de viver uma aventura fantástica e eles estão profundamente felizes...

Essa aventura foi a escalada de uma das vias de paredão mais incríveis do mundo, a via "Place of Happiness", na Pedra Riscada - São José do Divino - MG.

Depois de uma primeira tentativa em Junho, decidimos voltar a tentar essa via não porque nosso orgulho estava ferido, mas porque a via merece, muito provavelmente, o título de via de big wall mais linda do Brasil...

A empreitada foi muito árdua, a estratégia inicial não deu certo, a escalada aconteceu de um jeito totalmente diferente do que tínhamos imaginado, fizemos a maior gambiarra que já arrumei da minha vida num paredão, passamos muito aperto e foi por isso que estamos tão felizes agora. O escalador de paredão, ou o montanhista em geral, é um cara as vezes um pouco esquisito: quanto mais aperto ele passa, mais feliz ele fica depois!

O graal do escalador é seu limite, ele fica a vida inteira procurando, nos boulders, nas vias esportivas ou nos paredões e cada vez que ele consegue superar seu limite, ele atinge o nirvana.

E na Pedra riscada, superamos nossos limites...


Os quatro caras felizes da vida: Alexis, Pedrinho, Kbção e Carlito:




A Pedra Riscada vista de São José do Divino:



A estratégia inicial era sair na sexta a noite de BH, dormir duas ou 3 horas na base da Pedra Riscada, acordar cedo e escalar sábado as 9 ou 10 primeiras enfiadas, descer para dormir no platô que tem na altura da sexta parada e escalar as 8 ou 9 enfiadas do final da via no domingo.

Sabíamos que ia ser muito difícil chegar ao cume domingo a noite e descer até a base do paredão no mesmo dia. Por isso levamos água e comida para três dias.

Na base do paredão, a via de 850m e 18 enfiadas segue a aresta amarela entre sol e sombra:





Para carregar para cima os equipos levamos um grande barril: durante o primeiro dia o Pedrinho e Kbção ficaram por conta de puxar esse monstro de 50 kilos, quando o Alexis e Carlito estavam escalando rápido com pouco peso.



Ao inicio a estratégia deu muito certo, Pedrinho com sua grande experiência de trabalhos em altura conseguiu arrumar um jeito eficiente de puxar o barril com o Kbção, e eu e Carlito estávamos escalando rápido as primeira enfiadas fáceis. Carlito guiou as 4 primeiras enfiadas em 4to e 5to grau, guiei a quinta enfiada em sétimo grau, Carlito guiou a sexta e a sétima enfiada, uma linda fenda de sexto grau protegida com móveis e tudo se complicou quando chegamos a oitava cordada.

Carlito guiando a sétima enfiada:





 A oitava cordada sobe uma fenda vertical, graduada em oitavo grau, muito fina e difícil de proteger com móveis. Os conquistadores bateram uma primeira chapeleta a 3 metros da parada, uma segunda a dez metros: entre as duas chapeletas tem que se proteger com micro camalots e nuts - dois tipos de móveis.

Essa enfiada é o primeiro crux da via. Foi nessa enfiada que o Mister Bean caiu em Junho e quebrou o pé: ele vacou no crux da enfiada que fica logo abaixo da segunda chapeleta, as três proteções que ele tinha colocado saíram uma depois da outra e ele caiu até um pequeno plato abaixo da parada, gritando de dor...

Quando dessa vez comecei a escalar essa enfiada lembrava muito bem do Bean caindo, pois fui eu quem estava dando segurança para ele em junho. Eu sabia que era provavelmente o único lance difícil da via e de onde não podia cair de jeito nenhum, as proteções são ruins e se elas estouram o escalador cai num plato 10 metros mais baixo. Mas no mesmo tempo estava bastante confiante pois em junho tinha mandado o lance sem muito problema.

A diferença é que quando mandei o lance em junho eram 8 da manhã, a temperatura estava muito agradável, e quando comecei a escalar sábado passado, era duas da tarde, no sol e estava muito quente.

Depois da primeira chapeleta tive o prazer de achar um micro-nut travado na fenda que os Cariocas tinham deixado um mês atrás quando eles fizeram a primeira repetição da via. Depois do micro-nut coloquei mais 3 micro-camalots, para tentar proteger bem o crux abaixo da chapaleta. Mas eu sabia que essas proteções eram bastante precárias por causa da forma muito estreita e rasa da fenda.

Entrei bem no crux, estava muito perto da chapeleta, escalando de oposição, com a metade da primeira falange dos dedos na fenda fina, quando de repente aconteceu o desastre... Minha mão direita, provavelmente por causa do calor, vazou... Comecei a cair para trás, estava a uns 9 metros acima do Carlito na parada, foi o inicio de uma longa vaca, o primeiro camalot saiu da fenda, comecei a dar um mortal!!

O segundo móvel estourou também sem freiar minha queda, eu vi o ceu girando muito rápido, o terceiro camalot arrebentou do mesmo jeito, o pesadelo continuava, pensava muito forte que não queria machucar, o micro-nut saiu da fenda também sem opor nenhuma resistência, estava caindo, sempre caindo, passei do lado do Carlito igual um foguete, e finalmente cheguei sentado num plato a uns 2 metros abaixo do Carlos, de frente para o vazio!! Um segundo passou, dois segundos, e fiquei em pé, foi um milagre, não machuquei!! Incrível, amorteci a queda de 10 metros com minha bunda!!


A oitava enfiada vista de cima:




Não machuquei mas fiquei bastante chocado... Esperei meia hora e voltei a escalar a mesma enfiada, um pouco abalado, mas com outra estratégia em mente: ia tentar escalar esse crux em artificial. Não queria correr o risco de vacar de novo...

Coloquei uma primeira proteção com um micro-camalot acima da primeira chapeleta, e dessa vez tive a ideia de descer até a chapeleta para testar o micro camalot: sentei na corda, mas segurando com as minhas mãos a costura da chapeleta. Sentei uma primeira vez, o micro camalot segurou meu peso, sentei uma segunda vez com mais vontade, o camalot segurou bem, sentei uma terceira vez fazendo mais força, e o camalot vazou... Nesse momento decidi desistir da empreitada, nenhum paredão vale a pena machucar e ficar parado vários meses...Cheguei a conclusão que para escalar essa enfiada com segurança precisava de um piton ou de uma outra chapeleta.


Eram 3 ou 4 horas da tarde, o cume nunca me pareceu tão longe que nessa hora. O Pedrinho e Kbção estavam chegando no platô que fica a direita da sexta parada onde a gente tinha planejado dormir. Foi nessa hora que o nosso anjo da guarda apareceu uma segunda vez: no platô, bem estreito, onde tinham duas pequenas árvores, aconteceu um segundo milagre: o Pedrinho e o Kbção acharam um galho bastante reto de uns 5 metros de comprimento!!

Na tarde do primeiro dia, no plato do bivaque, o Pedrinho e Kbção que puxaram 50 kilos para cima, desmaiam de cansaço...




 O visual no final da tarde:




O nascer do sol no segundo dia:




Depois de uma primeira noite muito boa no platô, comecei de novo a escalar com o Carlito as 7 da manhã a oitava enfiada. Mas dessa vez, com um acessório bastante original, o galho de 5 metros, que eu ia usar de stick-clip !! A uns dois metros acima da primeira chapeleta, coloquei dois micro camalots, sentei neles delicadamente, puxei para cima o "galho-clip" com uma costura (e uma corda) colocada na ponta dele com esparadrapo, e depois de umas 10 tentativas, me esticando no máximo para cima, consegui costurar a segunda chapeleta!! UUHHUU!!! Soltei gritos de alegria!! De repente, a gente estava muito mais perto do cume!

O resto da enfiada é difícil, mas não existe mais risco de cair num platô, ela é bem vertical, subindo a mesma fenda, sempre muito fina.

Depois da oitava enfiada, guiei a nona enfiada. A primeira parte dessa enfiada é uma fenda mais larga, de sétimo grau, a segunda parta é negativa, de nono grau, escalei uma boa parte em artificial.

Escalando a nona enfiada:





Depois de escalar essas duas enfiadas já eram 11 da manhã, estava muito quente, era tarde demais para tentar chegar ao cume nesse segundo dia. O Kbção e Pedrinho falaram para decermos até o plato para descansar e esperar o calor baixar para continuar a escalada.

O Carlito na nona parada:



Por volta das 3 da tarde nesse segundo dia o Kbção e Pedrinho subiram jumareando até a nona parada, o ponto mais alto que tínhamos alcançado. Kbção guiou a décima cordada de oitavo grau, e começou a décima primeira enfiada quando a luz do sol começou a ficar laranja. Essa décima primeira cordada é o segundo crux e a enfiada mais linda da via: 60 metros de nono grau, com vários esticões de 8 a 10 metros!! Foi nessa enfiada que vaquei em junho de mais de 20 metros...

Kbção na décima primeira enfiada:



Nosso "destino" dependia agora do sucesso do Kbção nessa enfiada. Pedrinho estava na seg, eu e carlito estávamos deitados no platô, super atentos a qualquer movimento do Kbção, torcendo muito para ele conseguir chegar ao cume dessa enfiada. Foi uma luta que durou mais de uma hora e meia...



Cada vez que o Kbção chegava a uma chapeleta, ele gritava de alegria, como se cada chapeleta era uma conquista importante. Uma vez, segurando uma pinça muito ruim a 8 ou 9 metros acima da última chapeleta, ele quase vacou. Começou a expirar, estava no limite, e num movimento muito desesperado, ele superou a gravidade e alcançou a penúltima chapeleta da enfiada... Quinze minutos depois, quando ele alcançou a décima primeira parada, o pôr do sol atrás, foi festa na Pedra Riscada! Parabéns Kbção!!!




Na segunda noite no platô começamos a racionar a água. Separamos 8 litros para o terceiro dia, dois litros para o café da manhã, e 6 litros para o resto do dia, para 4 pessoas, era muito pouco...
Acordamos as 4 da manhã, jumareamos de noite as enfiadas que tínhamos subido o dia anterior, e o Kbção começou a guiar as 7 enfiadas que nos separavam do cume. O Pedrinho seguia depois do Kbção, jumareando ou escalando, e depois eu e Carlito formando outra dupla escalamos atrás deles.

Carlito jumareando:







Essas 7 enfiadas são todas lindas, numa aresta vertical que vira positiva no final, quase sempre muito exposta. Escalar a 700 ou 800 metros do chão é sempre um grande prazer para quem não tem medo de altura... Da a impressão de voar, de ter conseguido se livrar da gravidade... Dois maravilhosos e gigantes urubus rei nos acompanharam durante um bom tempo.







A meio dia alcançamos o cume!! É sempre um grande momento de alegria, o escalador fica muito feliz de ter vencido a parte mais difícil da empreitada, mas não pode relaxar porque ele ainda tem que enfrentar a parte mais perigosa da escalada que é a descida a descida.




Conseguimos ser bem eficientes na descida, Kbção e Pedrinho iam na frente, Pedrinho trocava uma chapeleta a cada parada para colocar uma argola e facilitar a descida de rappel.






Nesse terceiro dia, o vento nunca parou e incomodou bastante na descida de rappel...






As 3 da tarde chegamos no platô do bivaque, depois de arrumar nossas coisas continuamos a descida e chegamos ao carro quando começou a escurecer, esfomeados e totalmente desidratados...

Timing perfeito!! Chegou finalmente a hora de relaxar...


ESCALAMOS A PAREDE DOS SONHOS!!

Com certeza a PLACE OF HAPPINESS  vai se tornar uma via clássica , ela se equipara aos big walls do Yosemite!!

Valeu Carlito, Kbção e Pedrinho, a parceria foi excelente!!

Essa semana, estamos muito felizes, realizamos um sonho, e mais importante ainda, temos muitos outros para realizar...

10 comentários:

  1. Parabens a equipe !!
    Fantastico o trabalho de voces e a determinaçao !! Da muita vontade de escalar esta via, imagino a satisfaçao de voces chegando ao cume. Esta regiões de Minas e Espirito Santo são mesmo um paraíso, devem haver inumeras outras paredes assim, ainda virgem !! Coisa que aqui na Europa não existe mais ha décadas ...
    Tamos programando uma viagem pra ai.
    Abração,
    Eric

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  2. caraaaca!!
    relato muito doido, parabens ai!
    mandaram bem demais na via

    abraços, frango

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  3. Parabéns galera!
    Quanto mais difícil é um objetivo, mais satisfatória é a conquista.

    Abraços

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  4. Parabéns galera... Incrível, incrivel!!!
    Muito bacana a matéria.

    A escalada nunca para

    Carlim Cachaça

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  5. Parabéns galera! A via é demais, mas muito exigente também.
    Daniel Araujo
    Rocks in Rio - RJ

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  6. Que maravilha de passeo pelas paredes verticais,quem viver vera!!!!!!!!! parabens ao grupo de boaventuras. PURA VIDA ASS FELIPE GOBBI,acostumado com paredes de agua, e nuix carlito,,,

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  7. Qto orgulho... Parabéns!

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  8. Ótimo sonhO!
    Quanto mais sonhos sonhaRmos, mais chances teremos d estaR realizando algunsss!!!
    Parabéns pela empreita...

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  9. Valeu, galera. Parabéns pelo feito. Eu moro em Ataléia-MG, município que possui altas montanhas e que já tem a Pedra da Boca no roteiro de escaladores e que também possui a Pedra Riscada como referência, já que a pedra fica exatamente na divisa entre São José do Divino e Ataléia. Sou apenas um amante da natureza e fotógrafo amador e já estive na base da pedra. Fantástico! Parabéns mais uma vez à equipe. Segue endereço do meu blog que se propõe a registrar riquezas da região, incluindo orquídeas endêmicas de Ataléia. http://mundodasmontanhas.blogspot.com/?spref=twAbraço.

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  10. Tinha salvo essa matéria em 2014. Não tinha como saber que era a cidade em q meu pai nasceu

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