Escaladas de Carnaval : Os granitos do Rio


Eu (Alexis) e o Breno Rates aproveitamos os cinco dias do carnaval para curtir os granitos do Rio: ficamos três dias na cidade maravilhosa escalando vias esportivas e paredões, depois dois dias na Meca brasileira dos paredões: Salinas, no Parque dos 3 Picos perto de Nova Friburgo.
Vou tentar resumir esses cinco dias intensos com algumas fotos e palavras...

No sábado, fomos para o pico de escalada esportiva mais famoso do Rio: a Barrinha. É uma parede levemente negativa de 30 metros logo acima do bairro Barrinha na Barra. A escalada é de resistência, com regletes e uma deliciosa brisa no rosto...
Quando chegamos, a parede estava invadida por outros mineiros que tinham deixado por alguns dias os calcários de Minas!! : Cabeça, Mamão, Robertinha, Haddad e Sandro. Enquanto isso, os Cariocas estavam no Cipó...

A Robertinha e o Mamão escalando a clássica Filezão, 9c:


 


O Cabeça na Cigarets (10a):
  


A parede de escalada da Barrinha fica meio escondida na mata mas, quando você escala é possível admirar a praia da Barra atrás, o lugar é lindo ; mas, do mesmo jeito que a maioria dos outros picos de escalada esportiva no Brasil, a Barrinha é um pico bastante elitista...  A via mais acessível e clássica da parede é a Filé com Certeza, 9a!!

O Sandro no crux da Filé com Certeza:




Eu já tinha entrado nessa via há uns 3 anos atrás, e fiquei sem mandar, entrei de novo então para tentar a cadena. Passei o crux graças aos betas do Sandro e do Cabeça, mas depois do crux ainda tem que escalar  uns 8 metros de 8a de resistência e meus braços estavam bem torados. A chance de encadenar a via era pequena... Mas a escalada não é de jeito nenhum um esporte 100% individual, nem 100% físico e técnico. Uma turma de bons amigos na platéia que torcem pela a cadena e a determinação do escalador podem ser determinantes e fazer que o escalador ultrapasse seus limites físicos. Esse dia, durante uns 20 movimentos depois do crux, fiquei gritando a cada movimento para não cair, meus cotovelos estavam batento o ar acima das minhas mãos igual asas de frango, mas minha cabeça determinada e os gritos do Cabeça, Haddad, Mamão, Sandro, Breno, e da Robertinha me levaram literalmente até o topo da via... A cadena foi emocionante! Valeu galera!!


No domingo acordamos as 6 da manhã para escalar a via Pássaros de fogo no Pão de Açucar antes do sol alcançar a parede.
A via Pássaros de fogo é uma das vias mais clássicas do Pão, pórem mais difícil e exposta que a famosíssima Italianos. O estilo de escalada é positivo, as vezes quase vertical, de aderência ou com pequenos regletes. O crux da via foi o primeiro sétimo grau do Brasil, escalado em 1983 pelo famoso Sérgio Tartári.

Escalando a Pássaros:

  


O bondinho, lá encima...

 



O lado bom da exposição é que a falta de grampos não cria muito atrito!

  


Depois da Pássaros de fogo, escalamos a segunda parte da Cisco Kid para chegar ao cume do Pão e fazer a virada final na plataforma do bondinho...

  

  


 A cidade maravilhosa...


 


 O Pão de Açucar e uma das famosas praias desertas do Rio...



Na segunda-feira escalamos a famosa K2 no Corcovado com dois amigos franceses e a Bianca.

 

 
Escalar no Rio é sempre uma experiência única... O escalador, no meio da mata para chegar a parede, ou no meio de um paredão, pode imaginar se encontrar a centenas de quilômetros de qualquer civilização... E algumas horas ou alguns minutos depois, após escalar o paredão, as vezes ele chega de repente numa multidão de milhares de pessoas!


  

  

  

  





Na terça-feira acordamos cedinho para ir ao parque dos 3 picos na região de Nova Friburgo, região mais conhecida pelos escaladores como "Salinas" e abençôada pelos deuses da escalada...
A maior montanha da Serra do Mar, o Pico Maior (2360m) tem um paredão de 700 metros que atrai os escaladores da América Latina inteira pela beleza do lugar e da escalada.

Ficamos no sítio do Mascarin, no fundo do vale do parque dos 3 picos. O Pico Maior parece ficar no fundo do quintal do sitio...
Na esquerda, os Picos Menores e Medios, no meio da foto, o imponente Pico Maior com 850 metros, e na direita, o Capacete:



A região parece mais aos os Alpes, que ao resto do Brasil!

  

 


O primeiro dia em Salinas escalamos a via Sergio Jacob, uma bonita via de 4 enfiadas de quinto grau que leva ao cume do Capacete. Até 3 anos atrás, a via tinha um grampo a cada 25 metros! Mas o guia fala que a via foi regrampeada, agora é bem protegida, com um grampo a cada 10 metros... Não pode reclamar, o padrão de distância entre grampos em Salinas é esse mesmo. 
Uma via em Salinas merece o título de "exposta" só se tiver um grampo a cada 20 metros sem possibilidade de colocar móveis entre os grampos. Uma via normalmente protegida tem um grampo a cada 10 metros, e a via Décadence avec Elégance que foi conquistada uns dez anos atrâs por uma equipe de franceses é criticada no guia de escalada: com um grampo a cada 5 metros em média, ela é protegida demais e sai do padrão do lugar!
É fato que os conquistadores das vias de Salinas têm uma concepção bastante elitista da escalada...

O Breno na Sérgio Jacob:




No topo do Capacete, já estou de olho no objetivo do dia seguinte: O Pico Maior!!

 


 


Descendo do Capacete, o visual dos Alpes brasileiros:



No Pico Maior, já tinha escalado a via Leste. Dessa vez estava a fim de escalar uma via mais difícil. Eu perguntei sobre a via mais linda, a todas as pessoas que conheciam bem Salinas,  e o conselho foi  a via Arco da Velha
O guia fala: Arco da Velha D4 6° VIIa E3. Falar do grau de um paredão é um pouco mais complexo que de uma via esportiva... D4 significa que leva o dia inteiro para escalar a via, 6° é para o grau geral da via, VIIa é o lance obrigatório mais difícil da via, e E3 é o grau de exposição.
O guia não assusta o escalador distraído... No croqui tem um grampo a cada centímetro, as paradas são duplas,  e a maioria das enfiadas são de quinto grau... O primeiro problema é que um quarto grau de aderência no Rio já pode ser bem difícil! O outro problema é que a parede tem 700 metros. São quinze enfiadas com 3 em média grampos por enfiada , ou seja da uma media de um grampo a cada 15 metros!!

No topo do Capacete, encontramos um casal de escaladores cariocas. Eles nos perguntaram qual via a gente ia escalar no dia seguinte. Quando falamos o Arco da Velha, eles nos olharam de um jeito diferente... E a mulher perguntou: "Mas vocês não têm medo? A via tem lances muito estranhos..."
No mesmo dia a noite, escutei o Mascarin avisando os turistas que iam dormir no abrigo conosco: "Não falam alto por favor, esses escaladores estão se concentrando, amanhã eles vão realizar uma empreitada difícil..."

Durante a noite sonhei com vacas sinistras e acordei as quatro da manhã, uma hora antes do despertador tocar... Comemos rápido um sólido café da manhã e seguimos o Mascarin no escuro. Eu conhecia a trilha mas ele queria nos mostrar uma outra trilha mais rápida. Uma hora depois de sair, ainda estávamos lutando com as samambaias para chegar à base do paredão... O atalho estava totalmente fechado pela vegetação. O dia amanheceu e estavamos longe da parede.





Sem perder paciência, resolvemos descer até quase o abrigo para voltar a subir pela trilha normal. Chegamos a base da via as 8:00 da manhã. O sol já estava alto...

O Breno no mato na base do paredão:



Para piorar ainda a moral da dupla, perdi minha lanterna na base da via e errei de caminho na primeira enfiada da via!
Mas não sou nem um pouco supersticioso e resolvi continuar escalando, mas com mais calma...

A escalada do Arco da Velha em geral é linda, e não é muito difícil. O problema é a exposição. A escalada no Pico Maior parece uma navegação num oceano de granito. Os grampos são ilhas perdidas no oceano. Quando o escalador chega a um grampo ele relaxa um pouco, respira fundo, descansa a cabeça, e volta a escalar rumo a horizontes desconhecidos. Tem momentos que ele não vê mais o grampo anterior, e não consegue ver o seguinte, como se estivesse em alto mar. Ele tem que ir para frente sempre, não pode parar, nunca, pois os tornozelos ameaçam rapidamente de explodir e a vaca é um pesadelo que ele nem consegue imaginar...






 


 


Do crux da via vou lembrar minha vida inteira... O guia fala 7a, mas quem fez a via em livre fala de 7b ou 7c de aderência. É um lance quase vertical, as agarras são alguns cristalzinhos do tamanho de uma unha para pés e mãos, o escalador se encontra a 4 metros acima da última chapeleta, a 6 metros de um platô meio inclinado e a 600 metros do chão.
Tentei uma primeira vez, fiquei dez minutos na dúvida se ia ou não e finalmente desisti. Desescalei até a última chapeleta. Realmente esse lance não merecia o risco de me machucar e ficar dois meses parado vacando no platô... Mas na minha cabeça começou uma discussão entre duas vozes: a voz da razão e a voz da insanidade.
Fiquei pensando um momento e de repente, deixei minha mochila na costura da chapeleta com os 3 kilos de móveis e costuras que tinha na cadeirinha e voltei a subir rumo ao crux. A voz da insanidade tinha vencido...
Durante os 3 movimentos do crux consegui esquecer tudo, a chapeleta la embaixo, o platô, o vazio, escalei 3, 4, 5 movimentos no limite do equilíbrio, e deu certo... Chegando na chapeleta soltei um grito de alegria! Encima ainda haviam alguns lances difíceis e expostos, e depois de mais de uma hora de escalada no limite, de reflexões sobre a necessidade imprescindível de escalar montanhas, cheguei à parada, feliz...

Chegamos no cume as 4:00 da tarde.

 


O visual do cume, com o tempo fechando...

  
 

 

 


A gente ainda não sabia que o crux do dia ia ficar na descida de rappel...
Descemos pela via Cidade dos Ventos a qual eu já conhecia. Até o terceiro rappel, o tempo estava fechando cada vez mais, mas estava tudo tranquilo. E no quarto rappel, uma tempestade de verão alcançou o Pico Maior... Uma chuva mais forte que um chuveiro, rajadas de vento, neblina, raios, o serviço completo... Desci o quinto rappel muito rápido, mas indo sem reparar um pouco na esquerda da vertical. Depois de 30 metros de descida, vi uma parada a uns 25 metros mais baixo. Quando cheguei na parada, tinha uma coisa errada: a parada não era com dois grampos como as paradas anteriores mas com duas chapeletas antigas. Nesse momento, a neblina abriu e vi que estava encima de um paredão de 400 metros. Entendi que tinha saido da linha de rappel da Cidade dos Ventos, pois nessa linha faltavam só dois rappeis para chegar ao chão.

Três anos atrás, no mesmo rappel, mas com tempo lindo, o ambiente é diferente...



Na parada, abri o guia para tentar entender onde estava... No guia, vi um totem a esquerda da via Cidade dos Ventos. Cem metros embaixo de mim, o totem estava na minha direita, do lado errado.
Olhando mais o guia que já parecia um pano molhado, entendi que estava na via Disk Dique, a via mais dífícil do Pico Maior, que não é possivel de descer de rappel... 

 Nessa foto, da para ver o totem na direita. A via Disk Dique fica na esquerda do totem, a via Cidade dos Ventos na direita.



Tentei então atravessar para direita para voltar na linha de rappel normal. Pendurado perto da ponta das cordas de rappel, quase consegui alcançar uma fenda que ficava a 20 metros na direita. Minha idéia era depois escalar a fenda para achar a parada de rappel que devia estar mais acima. Mas quando cheguei a um metro da fenda que parecia um rio, meu pé escorregou na pedra molhada e pendulei para esquerda uns trinta metros, muito rápido, rasgando as mãos na pedra cheia de cristais... Quando finalmente parei de pendular, olhei minhas mãos, a sensação foi muito estranha, pois quase não sentia dor, mas tinha uma ferida aberta que deixava aparecer o osso de um dedo...

Parei para pensar um minuto. O único jeito de sair dessa armadilha era de subir. Coloquei uma fita para usar de estribo no meu Shunt e comecei a subir bem devagar por causa da minha mão aberta e das duas cordas molhadas e grossas que não queriam passar no Reverso... Acho que demorei uma hora para subir 40 metros. A uma certa altura consegui colocar as duas cordas mais na direita da parede para finalmente descer na linha de rappel certa. Depois de uma hora e meia pendurado no mesmo rappel, quando gritei "Corda livre!", o Breno já estava preparado psicologicamente para bivacar na parada!!

O crux da descida não tinha acabado. As duas cordas estavam travadas embaixo de nós, na esquerda. Breno teve que descer de novo quase até a parada da Disk Dique, subir jumareando com o shunt até a parada certa e puxar a corda centímetro por centímetro durante mais de meia hora de pura diversão ...  Águas geladas não paravam de cair do céu, e apesar do esforço intenso para puxar a corda, nós dois estavamos tremendo de frio.
Nem precisa de descrever a alegria que sentimos quando chegamos ao chão firme. Pareceu que estavamos voltando de um outro mundo bem hostil.

Foram muitos momentos intensos e lindos em 5 dias, mas agora acho que vou voltar a praticar a escalada esportiva por um tempo...

3 comentários:

  1. Como dizem os cariocas...sinixxxxtro! Alexis, deu frio na barriga só de ler! Adorei! Parabéns pra vc e pro Breno! Bjos! Marina da Mata

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  2. Excelente relato, parabéns ! Realmente, "salinas" é tudo de bom.. vias fortes e exigentes, principalmente psicologicamente ;-)

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  3. esse lugarzim eh lindo mesmo acordo td dia com esse visual imagina... coragem a de vcs moro aqui e nunca escalei

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