Atravessar a América Latina de bike: um sonho possível

Numa longa noite fria e chuvosa de 2009 em Paris, minha namorada teve uma ideia brilhante: usar a poupança de três anos de trabalho para tirar um ano de ferias e dar a volta a América Latina de bike. O plano dela era de sair do norte da Colômbia em Abril desse ano, atravessar os países andinos para chegar em Ushuaia para o Natal e depois atravessar a Argentina e o sul do Brasil para chegar em BH em Março ou Abril de 2011.
Depois de tentar convencer ela, em vão (!!), de trocar a viagem de bike por uma trip de escalada e andinismo, fui para Bogotá com uma bike e com a intenção de pedalar até Quito com a Coralie. Estava com um pouquinho de receio ao inicio, pensando nas longas horas que a gente ia ter que pedalar no sol em estradas monótonas e cheias de carros e caminhões. Depois de alguns dias, já estava totalmente encantado.



Descobri que andar de bike é o melhor jeito que existe de conhecer um país ou um continente. O ciclista anda a velocidade certa: andar a pé é bom mas é muito devagar para um continente do tamanho da América Latina ; de carro ou de ónibus, o viajante é um turista normal que não desperta a curiosidade dos habitantes, que observa as paisagens como se fosse um filme atrás dos vidros. De bicicleta, é possível andar até 100km por dia admirando com calma as paisagens com se elas fossem seu quintal.



Andamos um pouco mais de 1000 km entre Bogotá e Quito. Atravessamos matas tropicais virgens, duas Cordilleras (com subidas de 25 km até mais de 3000m de altitude!!), plantações de café e campos de arroz gigantes, o Rio Magdalena maior rio da Colômbia, o deserto de Tatacora, e chegamos no altiplano equatoriano a 3000m de altitude onde passamos entre vários volcões, lindas pirâmides brancas de até 6000m de altitude...







As paisagens foram muito lindas e variadas, e mesmo quando elas eram relativamente uniformes durante algumas horas, elas nunca eram monótonas porque de bicicleta é possível observar de perto os pássaros, as flores, a vegetação na beira da estrada, escutar a música que sai de quase todas as casas na Colômbia, e cada vez que tínhamos vontade parávamos para conversar com os moradores, pedir nosso caminho ou conversar sobre nossas vidas...





Um dia que estava chovendo, dois policias gente boa nos daram carona!



Cada vez que parávamos em algum vilarejo, depois de cinco minutos sempre algumas pessoas curiosas venham para conversar connosco, perguntar sobre nossa viagem, nossa cultura, nosso pais...

Acampando no meio de nada na Colômbia:



Paisagem do deserto de Tatacora:




Os povos colombianos e equatorianos são extremamente simpáticos e prestativos. Os motoristas são bem educados com os ciclistas, muito mais que no Brasil. Geralmente quando eles passavam a nosso lado eles falavam alguma palavra simpática, alguns ficavam conversando cinco minutos connosco andando devagarinho, outros nos davam um pouco de comida antes de enfrentar uma subida forte... Um dia andei com uma camisa da seleção, os motoristas de caminhão gritavam "Brasil!!" ou "Pelé!!".




A noite ficávamos em hotel (um hotel simples custa R$10 para duas pessoas na Colômbia ou no Equador!), ou pedíamos para um morador acampar no quintal. Geralmente eles não deixavam a gente acampar, eles insistiam para a gente dormir na casa deles!





Um dia no Equador a gente estava se preparando a acampar no quintal de uma família quando um indígena Quechua chegou e começou a conversar connosco. Depois de cinco minutos ele insistiu para a gente dormir na casa dele. Chegando a casa dele chegou a mãe da outra família reclamando, estava muito decepcionada porque a gente não ia dormir na casa dela!

Depois de conversar mais com o indígena descobrimos que ele era o representante do Equador nas Nações Unidas para estabelecer a declarações dos direitos indígenas no mundo! Ficamos a noite inteira conversando da riqueza da sociedade tradicional quechua e do mundo moderno que ameaça esse tesouro cultural... 


Coralie com Lola, a mulher do nosso anfitrião, muito simpática mas que quase não falava espanhol!





Outro dia na Colômbia a gente estava andando no meio do deserto de Tatacora a pé, observando os cactus em flor e as lindas formações geológicas, quando de repente três soldados colombianos chegaram correndo gritando:
"Vocês não podem ficar aqui! Os franceses vão atirar bombas! ", e depois,
"Vocês são franceses também? Que bom, estamos precisando de interprete, eles não falam nada de espanhol! "
Descobrimos que o exército francês estava justamente fazendo alguns testes de bombas super precisas naquele deserto para tentar vender elas ao exército colombiano. O exército francês ia atirar as bombas desde um outro lugar a 35 km de distancia e as bombas deviam chegar num lugar bem preciso no meio do deserto onde a gente estava andando... Um teste em ótimas condições de segurança então, sem nenhuma zona reservada...
Os três soldados colombianos nos levaram a dois soldados franceses que estavam no topo de um morrinho com um tenente colombiano para conferir se a bomba ia chegar no lugar certo com instrumentos de observação super modernos.

 Coralie com os soldados colombianos:



 
Os dois franceses estavam sem interprete e começamos a traduzir as perguntas e respostas para os Colombianos... Uma hora depois a bomba de 42 kg percorreu os 35 km em 40 segundos e chegou a 800 metros da meta, bem na nossa frente! Quase destruiu a única casinha do deserto!! E a gente estava a 2 km só do lugar de impacto... O contrato de venda falava de uma precisão de 50 metros!! Depois os franceses atiraram outras bombas que foram um pouco mais precisas, mas duvido que o exército francês conseguiu vender elas para o exercito colombiano! Melhor assim!


 Em San Agustin na Colômbia, descansamos alguns dias numa "casa de ciclista". Na América Latina existe uma rede de "casas de ciclistas", são casas de pessoas que já andaram de bicicleta pela América Latina e que recebem os ciclistas na casa deles sem cobrar nada. Os donos da casa de ciclistas de San Agustin são um casal de alemães super simpáticos que andaram de bike pela América Latina durante 7 anos e que finalmente se instalaram na Colômbia no lindo vilarejo de San Agustin... Até chegar nessa casa muito aconchegante, a gente se achava diferente e original... Mas na casa descobrimos que dezenas de Colombianos, Europeus, ou Norte-Americanos já tinham andado de bike muito mais tempo que nos! O recorde é de um alemão que viaja de bike há 48 anos pelo mundo e que simplesmente conheceu todos os países do planeta!!!

Descansando na casa de ciclistas:



Todos os ciclistas que passam por essa casa plantam uma árvore no quintal! Voltarei la daqui a alguns anos para ver minha árvore grande!!



Em Quito ficamos alguns dias na casa de uma ex-escaladora da Rokaz, Estefânia, moça ultra simpática, e a melhor anfitriã que um viajante pode sonhar... Visitamos com ela a linda cidade histórica de Quito e para coroar a viagem, decidimos escalar a linda pirâmide branca que domina a cidade: o Cotopaxi, (5897m), um dos volcões ativos mais altos do mundo.

O primeiro dia subimos até o refugio.





As 23:00 do mesmo dia, um grupo de Italianos acordou para tentar o cume de esqui. A gente curtiu nossa cama até muito mais tarde, quase uma hora da manhã! Quando saimos do refugio, todo mundo ja tinha saído há um bom tempo.
A escalada do Cotopaxi não é difícil, é uma caminhada que vai até o cume passando entre dezenas de gretas e gigantes paredes de gelo. Tivemos a sorte de subir com a lua cheia, foi fantástico... A gente andava bem rápido, parece que o treino de bicicleta foi mais eficiente para subir montanhas que para escalar paredões! Depois de duas horas de caminhada tínhamos passado os 20 andinistas que tinham saido do refugio antes da gente e comecei a fazer a trilha na neve fofa que tinha caído o dia anterior.


Chegamos ao cume no momento certo para ver o amanhecer. Momento único, inesqueciveí, nos dois no cume...









A alta montanha é um universo paralelo, onde a beleza surreal das paisagens e a intensidade dos momentos vividos compensam mil vezes o frio e a falta de oxigénio.



A cratera do volcão:








Na descida descobrimos de dia as paisagens que tinhamos atravessado de noite...
















Conclusão: andar de bike entre picos de escalada e montanhas, é isso a viagem perfeita!


Texto e fotos: Alexis

11 comentários:

  1. Parabéns pela trip, fantástica! Belas histórias e lindíssimas imagens!

    ResponderExcluir
  2. Espetacular!
    Essa penúltima foto parece cena do Senhor dos Anéis! =P

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. fantástico!
    Relato e fotos muito bons. :-)

    ResponderExcluir
  5. nóóó quantas histórias tens pra contar heim...!
    parabéns, belo relato e lindas fotos..

    ResponderExcluir
  6. A viagem muito engrasado Coco!
    elmono enbici.

    ResponderExcluir
  7. Incrível... parabens.. voces são privilegiados pela escolha!!!

    ResponderExcluir
  8. ola, vou fazer uma viagem parecida com a de vcs em breve e queria pegar umas dicas. tem algum email que posso escrever?? o meu é gabimas@hotmail.com, se puder entrar em contato ficaria muito feliz! abraços

    ResponderExcluir
  9. Olá! Meu nome é William e eu penso realmente em fazer uma viagem pela América do Sul daqui uns meses... gostaria de dicas, assim como a amiga Gabriela acima! Pode entrar em contato comigo, por favor: will_aug@hotmail.com

    Obrigado! Vcs me inspiraram!

    ResponderExcluir
  10. Nossaaa, Muito loko!!! :D Me deu até vontade de fazer uma aventura dessas também.

    ResponderExcluir
  11. Nossa que sonho!!
    Um dia quem sabe vou poder ver isso tudo de perto.

    ResponderExcluir