Escalada de paredão no Marrocos


Durante o mês de Abril desse ano tive a sorte de escalar no Marrocos num pico que virou em poucos anos uma das destinações de ferias favoritas dos escaladores de paredão: Taghia.

A viagem começou em Marrakech, uma das melhores portas de entrada da Africa. Em poucas horas passeando na cidade, o viajante entende o que sempre fez a magia da Africa : o ambiente totalmente exótico, a arquitetura das milhares de ruas estreitas e as casinhas de barro onde perder-se é uma delicia, o calor do clima e do povo : a cada 10 metros alguem me chamava para tomar um chá, para vender um tapete, para comer o melhor prato no melhor restaurante da cidade, ou era uma criança que queria me guiar na cidade... O mais estranho ao inicio talvez são os alto-faltantes em toda a cidade que, cinco vezes por dia, chamam todo mundo a rezar "Allah wakbar"!

Por de sol em Marrakech

Depois de alguns dias em Marrakech encontrei com o resto da turma de amigos e tomamos um ônibus para o Atlas, um dos maiores maciços de montanhas da Africa. Depois de 10 horas de ônibus, chegamos no final de uma estrada de terra, alugamos mulas para levar nossas mochilas pesadas e continuar a viagem a pé.

Durante a caminhada até Taghia

Durante a caminhada até Taghia

Ao longo da trilha a gente começou a descobrir dezenas de paredes imponentes. Depois de 3 horas de caminhada, chegamos ao pequeno vilarejo de Taghia, localizado no meio de um anfiteatro gigantesco de paredes vermelhas. Taghia fica a 2000m de altitude e o clima de montanha é muito agradável para escalar durante a primavera e o outono.

O vilarejo de Taghia

Vista de alguns dos paredãos de Taghia


 Antes dos anos 90, quase ninguém escalava por aqui: o pico ficou desconhecido dos escaladores durante muito tempo por causa do isolamento. Mas a partir dos anos 90, muitos franceses e espanholes começaram a passar suas ferias aqui, chegando com uma furadeira na mala! Eles voltavam para Europa sempre muito entusiastas falando que Taghia era a nova Meca de paredão... Com um ritmo de 20 a 30 vias de paredão novas por ano, o pico virou famoso muito rápido!

Escalando a via "Canyon Apache"

Os primeiros dias a gente escalou as vias mais clássicas do pico. São vias de 6to e 7timo grau, totalmente equipadas com chapeletas. A gente entendeu rápido porque o pico tem tanto sucesso: o lindo calcário vermelho tem uma textura alucinante e uma diversidade de agarras incrível... E a pouca distância do vilarejo existem dezenas de paredes de 300 a 800 metros de altura onde ainda tem muito espaço para as gerações futuras abrirem novas vias.

Escalando a via "Classe montagne Epinal"

Na via Canyon Apache


Um dos objetivos da viagem era escalar duas vias conquistadas pelo Arnaud Petit (escalador francês que foi varias vezes campeão mundial de escalada nos anos 90 e agora vive viajando e escalando pelo mundo graças a vários patrocínios com a sua mulher Stephanie Bodet que também foi campeã mundial) : "Rivières pourpres" e "L'axe du mal". No guia dele, o Arnaud fala que nesse estilo (paredão esportivo de calcário) são talvez as mais bonitas do mundo... Conhecendo o currículo do escalador, isso desperta a curiosidade de qualquer escalador!


A agulha "Oujdad" onde fica a via Rivières pourpres, na parte vermelha na esquerda


Depois de 4 dias de escalada, eu e meu parceiro, Luc, nos sentimos prontos para tentar a "Rivières pourpres". A gente acordou bem cedo, muito motivados, olhamos o céu normalmente sempre azul dos desertos da Africa e tivemos uma sopresa desagradável: estava nevando! Já tinha 10 cm de neve no chão. As montanhas vermelhas cobertas de neve estavam muito bonitas, nesse dia ficamos só observando elas do abrigo. O sol voltou e a neve derreteu rápido.

As montanhas nevadas perto de Taghia
O dia seguinte o tempo estava estranho de novo, fomos escalar umas vias esportivas perto do vilarejo.
Na manhã seguinte o tempo estava bom, subimos um canyon durante uma hora para chegar a base da "Rivières pourpres". Tinha neve na base ainda, estava muito frio, mas nos sacos de magnésio a gente tinha levado umas escalfetas químicas para aquecer as mãos...

No inicio da via "Rivières pourpres", com as mãos quase na neve!


Escalando a via "Rivières pourpres"

Os primeiros 400 metros da via são totalmente negativos: são 12 enfiadas entre 7c e 9a. Depois ainda tem 3 enfiadas mais tranquilas de 6to grau para chegar ao cume da agulha. Acho que foi a escalada mais prazerosa da minha vida : todas as enfiadas, se elas fossem num pico de escalada esportiva famoso como o Cipó, Rodellar ou Ceuse, seriam uma via clássica... As proteções as vezes são um pouco esticadas, mas o fato que a parede é totalmente negativa deixa a via bem segura. 

Escalando a via "Rivières pourpres"
 
Escalando a via "Rivières pourpres"

 A escalada fluiu até a ultima enfiada : um 9a de resistência de 40 metros, num negativo bem forte. Depois de ter mandado as 11 primeiras enfiadas a vista, estava bem motivado para lutar hasta la muerte nessa enfiada!! Fiquei 40 minutos escalando essa enfiada que é uma das mais bonitas que já escalei da minha vida, a luta foi incrível, mas finalmente cai no ultimo movimento... Pelo menos a vaca foi bonita!
Chegamos ao cume com o por de sol para coroar esse dia de escala perfeito. 
Chegando ao topo

Depois de um dia de descanso acordamos muito cedo no dia seguinte para escalar a outra via de sonho do local, "L'axe du mal". No croquis ela é levemente mais difícil que a "Rivières pourpres", são 15 enfiadas entre 7a e 9b, mas na realidade a via é muito mais difícil: a escalada é geralmente vertical, muito exigente tecnicamente, e as proteções são muito esticadas! Na via tem vários lances de oitavo grau a 3-4 metros acima da ultima chapeleta...

Uma "ponte berbere" na aproximação a via Axe du mal: sensações fortes garantidas!

No inicio da via Axe du Mal

A linha da via é ainda mais extraordinária que a da "Rivières pourpres", são 500 metros retos num muro vertical ou negativo totalmente liso, sem nenhum platozinho, nem de 10 cm para descansar... Mas a escalada não foi tão prazerosa que na Rivières pourpres, achamos as primeiras enfiadas muito difíceis apesar de não ser muito impressionantes no papel (7c-8a). Ficou claro para nos que o objetivo não era mais escalar a vista mas tentar chegar ao cume! Em cada enfiada tinha lances obrigatórios difíceis, num estilo muito técnico onde o grau parecia muito subestimado, era cada vez um luta para chegar a parada seguinte!


Na via Axe du Mal, a 300 m do chão

Numa enfiada de 8b, a única totalmente negativa

Uma das paradas da via

 Na penúltima enfiada, que era 8a no guia, achamos um lance com pedra totalmente lisa durante vários metros... Não consegui passar esse crux, mesmo com cliffs (tipo de escalada artificial)... Mas lembrei de uma técnica que eu aprendi no Yosemite (na California): comecei a pendular na corda e alcancei "correndo na parede" uma fenda 7 metros a direita que consegui escalar com moveis! Cheguei ao topo da enfiada, muito feliz, mas sem entender porque essa enfiada era graduada 8a...

Perto do topo da Axe du Mal

 O prazer de chegar ao cume foi maior ainda que no topo da "Rivières pourpres", com a sensação de ter alcançado meu limite.

Chegando ao cume

No cume, felizes e cansados

No cume


No vilarejo de Taghia a gente ficou alojado na casa de uma família muito aconchegante. Os habitantes de Taghia já são muito acostumados a receber escaladores, o turismo agora é a primeira fonte de renda para eles. Eles não são árabes mas do povo Berbere, um povo que era nômade e que vive no norte da Africa há muito mais tempo que os Árabes. Eles falam uma língua diferente que no resto do Marrocos, mas convivendo com os escaladores eles aprenderam a falar francês, inglês e espanhol!

Meninas de Taghia

O nosso anfitrião, na casa onde ficamos

A turma de amigos em Taghia


Escalar no Marrocos é uma viagem barata uma vez paga a passagem de avião: o custo de vida é muito mais baixo que no Brasil. Por exemplo as famílias de Taghia cobram R$ 25 por dia para o pernoite, o jantar e o cafe da manhã, que, apesar do isolamento, são deliciosos.

Viajar para escalar em Taghia é sucesso garantido! Para quem quiser viajar para la eu posso dar mais dicas (rokaz@rokaz.com.br).


Durante a caminhada de volta a civilização...



Texto e fotos: Alexis


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